Nos últimos anos, o varejo brasileiro passou por uma transformação significativa, com muitas marcas optando por expandir suas operações em ruas e avenidas movimentadas, ao invés de priorizarem os tradicionais shopping centers. Essa mudança é consequência de uma análise financeira mais criteriosa e da adaptação às novas demandas dos consumidores e à crescente digitalização do setor.
Outro fator motivador dessa mudança é o aumento dos custos de ocupação em shoppings. Marcas tradicionais, como Lupo, Hering, Boticário e Óticas Carol, têm optado por abrir lojas em ruas de alto fluxo para reduzir despesas fixas, como aluguéis elevados, taxas de marketing e condomínio. Esse movimento permite uma gestão mais eficiente da folha de pagamento, uma vez que as lojas de rua operam em horários reduzidos quando comparadas às doze horas diárias nos shoppings; além disso, normalmente não abrem aos domingos.
A recente fusão de três das principais administradoras de shoppings, resultando em maior concentração de centros comerciais nas mãos de poucas empresas, tornou as negociações ainda mais difíceis para os varejistas das chamadas lojas satélites. Diante disso, a busca por condições mais acessíveis é limitada, o que reforça a atratividade das lojas de rua como alternativa financeiramente sustentável e flexível.
Lojas em Shoppings vs. Lojas de Rua
Dados recentes indicam uma diferença marcante entre os dois formatos. Nas grandes cidades brasileiras, existem cerca de 8 mil lojas em shoppings, enquanto mais de 100 mil operam em ruas e avenidas. Esse contraste destaca a crescente preferência por operações de rua, que oferecem flexibilidade e custos operacionais mais baixos.
Um dado importante são os municípios com população entre 50 e 150 mil habitantes, onde a presença de shoppings é inexistente. No Brasil, há aproximadamente 1.200 municípios nessa faixa populacional, representando uma oportunidade significativa para varejistas que buscam expansão em regiões ainda não atendidas por grandes centros comerciais. Nesses lugares, as lojas de rua são a única opção viável para alcançar consumidores locais, criando uma avenida de crescimento inexplorada para muitas marcas.
Marcas como Cacau Show, Kopenhagen e Óticas Carol têm capitalizado as oportunidades de lojas de rua para criar experiências de compra diferenciadas. A Óticas Carol, que já ultrapassa 1.400 lojas em todo o Brasil, tem priorizado ruas movimentadas em seu plano de expansão, aproveitando a maior visibilidade e a proximidade com o consumidor. Suas lojas oferecem uma experiência personalizada, permitindo que os clientes explorem os produtos de forma mais descontraída, sem a pressão de um ambiente de shopping.
Essa estratégia também pode ser vista na Cacau Show, com mais de 4.500 lojas, e na Kopenhagen, que possui mais de 1.000 unidades. Ambas têm investido em vitrines atraentes e uma interação mais próxima com o consumidor, promovendo degustações e eventos sazonais para aumentar a fidelidade do cliente e incentivar a experimentação de seus produtos premium. Esse tipo de abordagem é mais difícil de implementar em shoppings, onde as regras são mais rígidas.
O fato é que a flexibilidade oferecida pelas lojas de rua é uma vantagem operacional crucial. Marcas como Alô Bebê e Preçolândia têm explorado as ruas e avenidas para expandir sua presença de mercado. A Alô Bebê, uma das maiores redes de produtos infantis do Brasil, tem utilizado lojas em ruas de grande movimento para alcançar consumidores em bairros residenciais e áreas urbanas de grande tráfego. Da mesma forma, a Preçolândia, com forte atuação no setor de utilidades domésticas, optou pelas ruas para garantir maior capilaridade e proximidade com seu público-alvo, sem os altos custos de operação dos shoppings.
Outros exemplos de sucesso com foco em lojas de rua incluem as redes calçadistas Di Santinni e Studio Z, ambas com mais de 130 lojas espalhadas pelo país. Essas marcas têm apostado em ruas de alto fluxo para crescer de forma eficiente, especialmente em mercados locais onde a presença de shoppings é limitada ou inexistente. O formato de rua permite que as empresas alcancem um público diversificado e ofereçam uma experiência de compra acessível, sem os altos custos e as restrições dos shoppings.
Redes de franquias como Outlet Lingerie, com cerca de 150 lojas, e Cresci e Perdi, que fez uma expansão surpreendente e conta com mais de 500 unidades, sendo em ambos os casos, quase na totalidade, em ruas e avenidas, também mostram que operar em ruas permite maior flexibilidade nos horários de funcionamento e redução nos custos de pessoal.
Com a aquisição de parte da rede Cresci e Perdi, a ENJOEI, empresa listada na B3 e que até então operava 100% no formato digital, deu início a um arrojado projeto de franquias que terá como foco a abertura de lojas de rua.
A Hope, por meio do projeto HOPE DUO, que une as marcas HOPE e HOPE RESORT, segue essa tendência, focando em operações de rua para otimizar suas operações e explorar novos mercados.
O Impacto da Digitalização e Experiências Diferenciadas
A digitalização tem desempenhado um papel fundamental na estratégia das lojas de rua. Um excelente exemplo é a Di Pollini, que utiliza suas lojas físicas como hubs para retirada de produtos comprados online, criando uma experiência omnichannel que melhora a conveniência do cliente e otimiza a logística.
Além disso, a Di Pollini firmou uma parceria exclusiva com a importadora de vinhos Gran Cru para oferecer degustações em suas lojas, algo que seria difícil de implementar em shoppings devido às suas restrições. Essa integração de experiências transforma as lojas de rua em um ambiente acolhedor e diferenciado, fortalecendo a fidelidade do cliente e a imagem da marca.
Exemplos de Sucesso
A Óticas Carol é um exemplo notável de sucesso na expansão através de lojas de rua. Com mais de 1.300 operações, a rede construiu um modelo de franquia robusto, a marca conseguiu penetrar em diversas cidades brasileiras, especialmente em locais onde não há shopping centers, conquistando uma base de clientes fiel e sólida.
Outro exemplo é a Hering, que possui mais de 700 lojas. A empresa utiliza suas lojas de rua para complementar sua estratégia digital, oferecendo um ambiente convidativo para experimentação de produtos, enquanto promove uma integração eficaz entre o físico e o digital. Essa combinação tem aumentado a taxa de conversão e fortalecido a lealdade dos consumidores.
Ou seja: a migração de marcas para as lojas de rua reflete uma adaptação às novas realidades econômicas e operacionais do Brasil. Custos operacionais mais baixos, maior proximidade com o consumidor e a integração eficiente com o e-commerce são fatores essenciais para o sucesso dessas operações.
As experiências bem-sucedidas aqui mencionadas demonstram que as ruas e avenidas estão se tornando o novo campo de batalha do varejo brasileiro. As empresas que conseguirem alinhar suas operações físicas com as expectativas do consumidor omnichannel estarão mais bem posicionadas para prosperar em um mercado em constante evolução, especialmente em regiões onde a presença de shoppings é limitada e as lojas de rua são a única forma de expansão real.
Uma resposta
Padula empresta seus óculos para um panorama interessante de uma diferenciada visão estratégica.