O enfraquecimento das lojas satélites nos shoppings brasileiros

O enfraquecimento das lojas satélites nos shoppings brasileiros

Por décadas, as lojas satélites foram protagonistas silenciosas da transformação do varejo brasileiro. Presentes em quase todos os centros comerciais do país, tornaram-se o principal vetor de expansão para redes franqueadoras e, ao mesmo tempo, sustentáculo do mix dos shoppings. Entretanto, o que já foi símbolo de capilaridade e previsibilidade financeira tornou-se, nos últimos anos, um modelo sob forte ameaça.

O avanço da inflação estrutural dos custos, combinado à estagnação da renda média, à deterioração do crédito e à transformação dos hábitos de consumo e trabalho, impôs uma nova realidade para esse formato. A sustentabilidade do modelo — do ponto de vista do investidor, da franqueadora e do próprio shopping — passa hoje por uma revisão profunda de premissas.

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A arquitetura do shopping center e o papel das satélites

O modelo brasileiro de shopping center é inspirado no conceito norte-americano, mas com peculiaridades que moldaram sua lógica de ocupação:

  • Âncoras: grandes operações que funcionam como geradores de tráfego — supermercados, fast fashion, grandes redes de departamentos — com áreas superiores a 1.000m².
  • Semi-âncoras: lojas entre 200m² e 500m², geralmente com forte apelo de marca em segmentos como calçados, cosméticos ou moda.
  • Satélites: a maioria esmagadora das unidades, entre 30m² e 60m², operadas por franquias ou pequenos varejistas. Apresentam ticket médio entre R$ 80,00 e R$ 250,00 e dependem de fluxo qualificado e alta eficiência para atingir o ponto de equilíbrio.

É justamente esse último grupo — responsável por mais de 60% dos contratos ativos nos malls — que hoje enfrenta os maiores desafios de rentabilidade, escala e atratividade para novos investimentos.

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Pressão sobre o Custo Total de Ocupação (CTO)

O CTO — sigla para Custo Total de Ocupação — inclui aluguel mínimo, percentual sobre vendas, fundo de promoção e taxas condominiais. Nos últimos 10 anos, esse indicador subiu de forma desproporcional em relação à inflação oficial. Em 2012, o CTO médio girava em torno de 12% da receita bruta de uma loja satélite. Atualmente, é comum encontrar operações com CTO entre 18% e 22%.

Essa pressão não é acidental. Com a profissionalização das administradoras de shopping — muitas delas abertas em bolsa e sob pressão de entregas trimestrais — houve um movimento sistemático de reajuste nos contratos, imposição de cláusulas mais rígidas e maximização da rentabilidade por metro quadrado. Mesmo em centros comerciais cujo fluxo não retornou aos níveis pré-pandemia, o custo da ocupação segue crescendo.

O paradoxo é evidente: enquanto o varejo enfrenta estagnação ou retração, os custos fixos do ponto de venda seguem escalando, comprimindo margens e desestimulando novos entrantes.

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Folha de pagamento sob pressão e apagão de mão de obra

Além do custo de ocupação, as lojas satélites enfrentam outro gargalo relevante: a estrutura mínima de equipe exigida pela jornada estendida dos shoppings (12h por dia, incluindo finais de semana e feriados). Uma operação de pequeno porte demanda, no mínimo, quatro vendedoras e uma gerente. Considerando piso salarial, encargos sociais, adicionais e variáveis, a folha mensal gira em torno de R$ 22 mil.

A isso se soma um desafio mais recente: o apagão de mão de obra qualificada no varejo físico. A nova geração de profissionais não se atrai por jornadas rígidas, pouco flexíveis e que implicam abrir mão de finais de semana. A valorização da qualidade de vida e a ascensão do modelo híbrido tornam o varejo de shopping menos atrativo para talentos — especialmente em grandes capitais.

O resultado: alta rotatividade, dificuldade de retenção e perda de qualidade no atendimento — um diferencial essencial para operações de pequeno porte.

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Capex elevado, retorno decrescente

Implantar uma loja franqueada em shopping custa caro. O investimento médio para um ponto de 40m² varia entre R$ 450 mil e R$ 550 mil, incluindo:

  • Projeto arquitetônico
  • Mobiliário sob medida
  • Equipamentos e sistemas
  • Iluminação e comunicação visual
  • Estoque inicial e capital de giro
  • CDU (Cessão de Direito de Uso) — valor pago à administradora para garantir a entrada no ponto

O problema central não é apenas o valor, mas o desequilíbrio entre investimento e retorno. Com um faturamento médio mensal entre R$ 70 mil e R$ 90 mil, boa parte das operações não consegue atingir o ponto de equilíbrio necessário para justificar o investimento.

Vamos à matemática básica:

  • CTO: R$ 20.000
  • Folha: R$ 22.000
  • Tributos (Simples Nacional): R$ 10.000
  • Outras despesas (maquininha, contabilidade, royalties, marketing): R$ 8.000 a R$ 12.000

Com isso, o ponto de equilíbrio médio beira os R$ 100 mil mensais — um patamar inalcançável para boa parte das operações. Em um cenário com SELIC a 14,25%, o investidor que aplica R$ 500 mil em um modelo de franquia exige, historicamente, um retorno entre 2,5 e 3 vezes o CDI anual. Isso significa que, para justificar o risco do capital investido, a operação precisaria gerar entre R$ 15 mil e R$ 20 mil de lucro líquido mensal — algo que apenas uma fração ínfima das lojas satélites consegue entregar hoje.

Esse descompasso entre capital exigido, risco percebido e retorno disponível mina o apelo do modelo e compromete a escalabilidade da expansão. O trade-off entre risco e recompensa deixou de ser favorável.

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Um novo perfil de investidor e franqueado

O perfil do franqueado mudou. O investidor contemporâneo busca:

  • Modelos com risco controlado
  • Operações com retorno escalável
  • Transparência nos indicadores financeiros
  • Acesso a dados históricos reais de desempenho

Nesse contexto, os modelos tradicionais baseados exclusivamente em lojas satélites perderam apelo frente a formatos mais leves: quiosques, lojas de rua, dark stores e showrooms com forte presença digital.

Franqueadoras que não apresentarem um modelo econômico robusto, com previsão de retorno compatível com o novo custo de capital, terão dificuldades crescentes para atrair novos parceiros e expandir sua rede.

Consumo estagnado, crédito em colapso

O cenário macroeconômico agrava ainda mais a situação. Dados do Banco Central indicam que o endividamento das famílias brasileiras alcançou 49,1% da renda. A inadimplência, especialmente entre as classes C e D — principais consumidoras do varejo de moda e acessórios — ultrapassa os 30% em algumas faixas.

A inflação de serviços, a escalada dos juros e a retração do crédito contribuíram para a queda do consumo em shopping centers. Em muitos casos, o crescimento das vendas tem sido apenas nominal, não real — ou seja, abaixo da inflação acumulada, o que implica em perda de margem e deterioração da rentabilidade.

Para onde vai o franchising de shopping?

O modelo tradicional de franquia satélite exige uma revisão profunda. Continuar apostando apenas no mix de loja física em shopping pode representar, em muitos casos, mais risco do que oportunidade.

Será necessário repensar o modelo sob quatro pilares:

  1. Renegociação contratual com os shoppings: buscar CTO inferior a 15% e flexibilização de cláusulas de saída.
  2. Eficiência operacional: uso de tecnologia para reduzir equipe, digitalização de processos e integração com o estoque central.
  3. Modelo híbrido: unificar canais físico e digital com experiência fluida, promovendo o conceito de loja como ponto de experiência e não apenas de venda.
  4. Expansão com formatos mais leves: capazes de operar com menor CAPEX e maior flexibilidade de escala.

Reflexão final

As lojas satélites seguem sendo peças fundamentais na engrenagem dos shopping centers. Geram diversidade no mix, criam pontos de contato entre marcas e consumidores, movimentam empregos e empreendimentos. Mas sua função estratégica precisa ser revista à luz de um novo contexto.

Se as administradoras de shoppings, franqueadoras e investidores não encontrarem juntos um novo ponto de equilíbrio entre risco, retorno e operação, o modelo corre o risco de se tornar um passivo estrutural — e não mais um motor de expansão.

Num país em que o varejo ainda representa 20% do PIB e sustenta mais de 10 milhões de empregos formais, repensar esse formato não é apenas uma questão de eficiência econômica, mas uma agenda estratégica para o futuro do consumo e da ocupação comercial no Brasil.

16 comentários em “O enfraquecimento das lojas satélites nos shoppings brasileiros”

    1. Valquirio Cabral

      Muito boa matéria ! Ha anos venho observando esta escalada nos custos das lojas satélites ..fiz expansão do meu grupo em
      Lojas de rua. O retorno é muito maior e mais previsível. Sem lojas satélites os shoppings não irão sobreviver !

  1. É exatamente aquilo que está acontecendo com o meu comércio no shopping.
    Ganhei uma consultoria grátis
    Infelizmente os administradores fingem que nos escutam e não cedem em nada.
    Obrigado pelo artigo

  2. Valdimir Egêa

    Excelente análise. Reflete exatamente o que está acontecendo. Para quem passou pela pandemia e precisou pegar empréstimos para sobreviver a situação é muito crítica.

  3. Certíssimo Padula. Já faz tempo que acompanhamos o enfraquecimento do sistema, que se sente dividido entre ambições quase sempre incompatíveis: Oferecer experiência de compra diferenciada e abaixar capex e opex…. Haja criatividade!

  4. Muito bom este material.
    Indica uma nova tendência, talvez o retorno as lojas de rua nos centros urbanos, evidentemente estando estes vom as adequações necessarias, especialmente segurança.

  5. Ótima reflexão…o problema não é apenas custos, mas sim falta de venda. Os níveis de vendas no varejo caiu muito e por isso pressiona os custos. Temos equipamentos tipo shopping center que não permitem uma redução drástica de seus custos por conta de sua configuração…Tema importante para avaliação.

  6. Paula,meu caro
    Apenas 20% do trade de shopping centers está nas mãos de grandes operadoras que possuem ações listadas em bolsa.
    O restante dos operadores,já fez o sacrifício possível nos alugueres.
    O problema está no poder público que não faz sua parte e obriga os equipamentos de varejo a manter segurança, por exemplo,muito maior do que seria necessário.
    De resto,seu artigo é um maravilhoso retrato de nosso varejo atual.
    Um abraço

  7. Carlos Costa

    Excelente artigo. Corroboro com cada linha. Parabéns pela visão ampla e análise precisa do contexto atual das satélites (além de uma escrita muito bem feita, com comunicação clara).
    E a realidade é essa mesmo: se não houver uma estratégia rápida, ágil e equilibrada entre shoppings, marcas e investidores, as satélites não conseguirão sobreviver. Os sinais são claros e as evidências estão cada vez maiores, para todo mundo ver.
    A balança está desequilibrada. Os investidores do varejo estão carregando o piano e pagando os dividendos para o enriquecimento das outras pontas da cadeia.

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