Após dois meses de vigência do tarifaço norte-americano, os dados revelam uma retração profunda e disseminada nas exportações de estados com pautas concentradas e forte peso de produtos atingidos pelas novas tarifas — especialmente em parte do Nordeste, como já se antecipava.
O novo cenário tarifário inaugurou um período de reorganização nos fluxos exportadores brasileiros, marcado por ajustes de calendário, reprecificação e redirecionamento de pedidos. Depois da corrida de embarques em julho e da “ressaca” em agosto, setembro de 2025 representa o primeiro retrato de relativo reequilíbrio — ainda incompleto, mas útil para distinguir efeitos transitórios de ajustes estruturais.
As Tabelas 1, 2 e 3 permitem observar com mais detalhe onde as perdas derivam diretamente dos bens tarifados e onde até os produtos isentos falharam em compensar o impacto. Essa distinção é essencial, pois variações semelhantes no total podem esconder dinâmicas completamente diferentes entre categorias, com implicações diversas para políticas industriais, estratégias comerciais e gestão de riscos.
Metodologia e foco da análise
A análise combina duas perspectivas — taxa de variação e valor absoluto —, pois em estados com base exportadora estreita, grandes oscilações percentuais podem ter peso macroeconômico limitado; já pequenas variações sobre bases bilionárias resultam em perdas significativas de receita, afetando produção, emprego e arrecadação.
O estudo segue uma lógica do geral ao particular:
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Tabela 1 – visão agregada das exportações por estado;
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Tabela 2 – desempenho dos produtos isentos, que funcionam como “colchão” de amortecimento;
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Tabela 3 – comportamento dos produtos tarifados, o núcleo do choque.
O objetivo é identificar quem mais perdeu, quem conseguiu amortecer as perdas e quem se destacou por adaptar seu mix exportador. Um apêndice complementa a análise com dados por estado e produto.
1. Desempenho geral das exportações
A Tabela 1 mostra que, em setembro de 2025, o impacto do tarifaço ainda se faz sentir em relação a setembro de 2024. As quedas mais intensas (acima de 60%) ocorreram em Mato Grosso (–81,0%), Tocantins (–74,3%), Alagoas (–71,3%), Piauí (–68,6%), Rio Grande do Norte (–65,0%) e Pernambuco (–64,8%). Quatro desses seis estados estão no Nordeste — região especialmente vulnerável devido à concentração de pauta, presença expressiva de produtos tarifados e logística irregular.
Um segundo grupo, com reduções entre 40% e 60%, inclui Mato Grosso do Sul (–57,8%), Paraná (–56,3%), Santa Catarina (–54,9%) e Rio Grande do Sul (–51,5%). Aqui, as quedas refletem mais a competição de preços e o impacto direto das tarifas sobre bens industriais, além do efeito de embarques antecipados em julho e agosto.
Já as perdas moderadas (20% a 40%) concentram-se em Pará (–37,2%), Rondônia (–33,4%), Rio de Janeiro (–26,8%) e Espírito Santo (–25,1%). Minas Gerais, com –50,5%, merece destaque à parte: sua grande base exportadora amplifica o impacto, especialmente em produtos metálicos e semimanufaturados.
Em termos de valor em dólares, os maiores recuos foram registrados em Minas Gerais (–US$ 236 milhões), Santa Catarina (–US$ 95,9 milhões), Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro (ambos com –US$ 88,8 milhões) e Paraná (–US$ 82,4 milhões). São Paulo, mesmo com queda modesta de –7,7%, perdeu cerca de US$ 94 milhões. Assim, confirma-se que grandes estados perdem mais em valor absoluto, mesmo com variações percentuais menores.
Entre os poucos casos positivos, destacam-se Goiás (+20,9%) e Ceará (+152,9%), que parecem ter se beneficiado de uma melhor gestão logística e de mudanças no mix exportador. Bahia e Amazonas tiveram variações pequenas no acumulado do ano, enquanto Sergipe e Roraima cresceram a partir de bases muito baixas.
2. O papel dos produtos isentos
A Tabela 2 isola o desempenho dos itens livres de tarifa. Ela mostra dois padrões: (i) estados onde os isentos ajudaram a segurar as perdas e (ii) aqueles onde até os isentos caíram, agravando o resultado total.
Entre os piores desempenhos figuram Pernambuco (–95,8%) e Mato Grosso (–91,4%), seguidos por Goiás (–70,3%), Rio Grande do Sul (–64,4%) e Paraná (–52,9%). Nessas localidades, os produtos isentos também recuaram, reforçando a queda dos tarifados. Em Pernambuco, por exemplo, a maior retração ocorreu em “outros óleos de petróleo e derivados”.
No grupo intermediário — Mato Grosso do Sul (–33,6%), Santa Catarina (–20,6%) e Rio de Janeiro (–8,7%) — as perdas em produtos isentos sugerem fragilidade de demanda e efeitos de correção pós-pico.
Por outro lado, há sinais positivos: São Paulo teve forte alta nos isentos (+14,2% no ano, +69,1% no mês), atingindo US$ 624 milhões; Bahia manteve crescimento anual de +45,5%; e Ceará surpreendeu com +87,4% no acumulado e +183,8% no mês, impulsionado por exportações de pedras ornamentais.
Em termos de valor, os principais exportadores de produtos isentos são São Paulo (US$ 624 mi), Rio de Janeiro (US$ 107 mi), Minas Gerais (US$ 92 mi), Espírito Santo (US$ 84 mi), Maranhão (US$ 78 mi) e Pará (US$ 34 mi).
3. Desempenho dos produtos tarifados
A Tabela 3 concentra-se no núcleo do tarifaço — os produtos não isentos. O ranking de maiores quedas é liderado por Acre (–99,9%), Maranhão (–76,6%), Mato Grosso do Sul (–75,8%), Mato Grosso (–75,7%), Tocantins (–74,3%), Rio Grande do Norte (–71,8%), Alagoas (–70,1%) e Piauí (–68,7%).
Na faixa seguinte (–60% a –50%) aparecem estados industrializados como Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul, cujas perdas em valor chegam a US$ 70–90 milhões. Esses recuos refletem redução de margens, perda de competitividade e redirecionamento de compras nos EUA.
Logo abaixo, ainda com retrações expressivas, figuram Minas Gerais (–49,6%), Rio de Janeiro (–36,8%), Rondônia (–36,0%) e Sergipe (–28,4%). Minas, sozinha, perdeu cerca de US$ 136 milhões apenas entre os produtos tarifados.
Entre os casos positivos, destacam-se novamente Ceará (+156,7%) e Goiás (+89,4%), seguidos por Distrito Federal (+23,2%) e Amazonas (+10,0%). Esses estados parecem ter reposicionado rapidamente suas exportações não isentas para nichos menos sensíveis à tarifa.
4. Síntese e conclusões
As três tabelas revelam um panorama coerente:
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Estados mais dependentes de bens tarifados e com pauta concentrada — como MT, MS, TO, RN, AL, PI e MA — foram os que mais perderam;
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Pólos industriais (PR, SC, RS e MG) sentiram o impacto direto nas cadeias industriais;
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Grandes exportadores (SP, MG, SC, RJ, PR e RS) concentram as perdas em dólares, mesmo com variações percentuais menores.
O desempenho dos produtos isentos mostrou-se decisivo para amortecer os choques. Onde esses produtos cresceram — São Paulo, Ceará e Bahia —, as quedas foram contidas. Onde também caíram, como no Sul e em Minas Gerais, o impacto foi duplicado.
Embora parte da retração de setembro possa estar associada à antecipação de embarques em julho e agosto, há sinais claros de ajustes estruturais: mudança de fornecedores, pressões de preços e reconfiguração de cadeias nos EUA.
Ainda assim, casos como Ceará e Goiás demonstram que a reação estratégica e o reposicionamento de mix exportador são possíveis, mesmo sob tarifas adversas.
Em síntese, os dois primeiros meses do tarifaço deixam quatro lições principais:
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A exposição a produtos tarifados e a concentração de pauta são os principais vetores de perda;
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A escala importa — grandes bases concentram as maiores perdas em valor absoluto;
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A diversificação via produtos isentos atua como importante amortecedor;
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Os preços internacionais (petróleo, aço, químicos) amplificam ou atenuam os efeitos do choque tarifário.
O estudo foi elaborado por Flávio Ataliba Barreto, João Mário Santos de França, Thiago de Araújo Freitas e Pedro Avelino.
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