Por que a “descoberta” de que empresas são feitas de gente não deveria surpreender ninguém
Há algo quase irônico no mundo corporativo atual. Observo, com uma mistura de surpresa e nostalgia, como tantos líderes e especialistas tratam a ideia de “liderar pessoas” como se fosse uma revelação revolucionária dos últimos anos. Como se alguém tivesse acabado de descobrir que empresas são, fundamentalmente, feitas de gente não de processos, tecnologia ou produtos.
Para quem está há décadas no mundo corporativo, especialmente no varejo e franchising brasileiro, essa “descoberta” soa quase ingênua. Sempre foi sobre pessoas.
O sucesso de qualquer organização seja uma pequena loja de bairro ou uma gigante nacional sempre esteve, e sempre estará diretamente conectado à nossa capacidade de engajar, respeitar e desenvolver talentos.
Quando a Magia Acontece
Os momentos mais marcantes da minha trajetória nunca nasceram de uma estratégia genial rabiscada em uma apresentação de PowerPoint. Eles sempre emergiram de ambientes onde as pessoas se sentiam verdadeiramente pertencentes onde existia um senso genuíno de coletividade, onde equipes estavam conectadas por propósito e valores compartilhados.
Quando conseguimos, como líderes, criar esse espaço de confiança e estímulo, algo mágico acontece. Os resultados fluem naturalmente. Os problemas se transformam em desafios superáveis. As metas deixam de ser fardos para se tornarem objetivos comuns que mobilizam energia e criatividade.
E quando olho para os projetos que não prosperaram? A razão é quase sempre a mesma: falhamos nas pessoas. Não conseguimos criar um ambiente onde todos se sentissem parte relevante daquele propósito. Estavam fisicamente presentes, mas emocionalmente ausentes.
A Ciência Por Trás da Intuição
Essa percepção não é fruto apenas de experiência pessoal. Jim Collins e Jerry Porras, em “Feitas para Durar”, estudaram organizações centenárias e chegaram a uma conclusão cristalina: o que garante a longevidade empresarial não é apenas estratégia ou produto, mas a força da cultura organizacional. E cultura, vale lembrar, é construída por pessoas.
Peter Drucker foi ainda mais direto: “A cultura come a estratégia no café da manhã.” Quem constrói essa cultura? Pessoas engajadas, respeitadas, reconhecidas e alinhadas por valores que são vividos, não apenas estampados em quadros corporativos.
Simon Sinek, em “Líderes se Servem Por Último”, reforça que equipes sólidas nascem da segurança psicológica e confiança mútua. Amy Edmondson, da Harvard Business School, comprova com dados: ambientes seguros, onde as pessoas não temem errar ou expor ideias, são os que mais inovam e evoluem.
O Varejo Brasileiro Já Sabia Disso
Não precisamos ir longe para encontrar exemplos. O mercado brasileiro de varejo e franquias está repleto de cases que comprovam essa tese há décadas.
A Natura construiu seu império com base em uma cultura sólida de valorização humana, colocando pessoas e propósito no centro da estratégia. Seja através de suas consultoras, seja por meio de políticas ESG consistentes, a empresa faz da humanização um pilar estratégico.
A Renner tornou-se referência não apenas por suas coleções, mas por cultivar um ambiente interno saudável e valorizar intensamente o desenvolvimento de carreira de seus colaboradores. Não por acaso, suas equipes apresentam engajamento acima da média do mercado.
O Boticário consolidou sua liderança muito antes do “modismo” atual de people first, criando uma cultura organizacional voltada para o desenvolvimento humano, com políticas claras de diversidade e inclusão. Compreenderam cedo que colocar pessoas no centro é o único caminho sustentável.
Resultado é Consequência, Não Obsessão
Durante anos, fomos condicionados a acreditar que resultado era a prioridade absoluta. E sim, resultado é inegociável em qualquer negócio. Mas aqui está o ponto crucial: ele é consequência, nunca causa.
Quando tratamos pessoas como meio para atingir resultados, criamos ambientes tóxicos e insustentáveis. Quando as colocamos como fim em si mesmas, o resultado surge como decorrência natural.
Shawn Achor, em “O Jeito Harvard de Ser Feliz”, comprova com estudos robustos: pessoas felizes produzem mais, são mais criativas, inovam mais e permanecem mais tempo nas empresas. A felicidade precede o sucesso, não o contrário.
No franchising, isso se torna ainda mais evidente. Redes que priorizam relacionamentos humanos, desenvolvimento de franqueados e respeito à cultura local têm mais sucesso e longevidade. As que tratam parceiros como números enfrentam conflitos constantes e alta rotatividade.
Pertencimento: Estratégia, Não Discurso
Pertencimento não se cria com campanhas internas ou frases motivacionais. É resultado de coerência diária, liderança presente, escuta ativa e ações que demonstrem, na prática, que as pessoas realmente importam.
Não existe inovação sem ambiente que permita errar. Não existe crescimento sem cultura que celebre pequenas vitórias. Não existe lealdade sem respeito mútuo.
Como bem observou Tony Robbins em “O Poder sem Limites”, o sucesso sustentável não serve apenas a interesses pessoais, mas consegue alinhar propósito individual ao coletivo. Essa é a verdadeira essência da liderança: transformar aspirações individuais em causas coletivas.
Por Que Ainda Tropeçamos?
Se é tão evidente que pessoas são o centro, por que continuamos errando? A resposta é desconfortável, mas honesta: gerir números é mais simples que gerir gente. Lidar com planilhas dói menos que lidar com emoções, expectativas, inseguranças e sonhos. O imediatismo ainda cega muitos líderes para o que realmente sustenta uma organização no longo prazo.
Mas não há mais espaço para lideranças que tratam pessoas como recursos descartáveis. O mercado mudou. As novas gerações exigem propósito, pertencimento e respeito. Empresas que ignorarem isso pagarão um preço alto em talento, reputação e resultados.
A Verdade Que Nunca Mudou
Tecnologias evoluem, modelos de negócios se transformam, mas a essência permanece imutável: negócios são feitos por pessoas, para pessoas. Liderar é cuidar de relações. É construir ambientes onde as pessoas queiram estar, contribuir e permanecer.
Peter Senge, em “A Quinta Disciplina”, é categórico: organizações que aprendem são aquelas onde as pessoas aprendem. E isso só acontece quando há espaço seguro, confiança e verdadeiro pertencimento.
Quem entendeu isso cedo, colheu os frutos. Quem ainda resiste aprenderá pelo amor ou pela dor que o único caminho sustentável é colocar as pessoas no centro de tudo.
Por isso, reafirmo sem hesitar: sempre foi sobre pessoas. E sempre será.
Leia também: O enfraquecimento das lojas satélites nos shoppings brasileiros