Um estudo publicado recentemente pela Harvard Business Review causou repercussão ao revelar algo surpreendente: os principais usos da IA generativa não estão na produtividade, na codificação e nem no marketing. As pessoas estão usando inteligência artificial generativa para lidar com emoções, tomar decisões difíceis e refletir sobre seus propósitos.
Se o consumidor encontra escuta, companhia e orientação emocional em algoritmos, as empresas não podem seguir operando apenas com argumentos funcionais ou campanhas focadas em conversão rápida. A exigência de relevância afetiva não é nova, mas se torna inadiável em um cenário onde a tecnologia ocupa o espaço da escuta e da conexão humana
Se o consumidor encontra escuta, companhia e orientação emocional em algoritmos, as empresas não podem seguir operando apenas com argumentos funcionais ou campanhas focadas em conversão rápida. A exigência de relevância afetiva não é nova, mas se torna inadiável em um cenário onde a tecnologia ocupa o espaço da escuta e da conexão humana.
Mais do que simplesmente entender como a IA está sendo usada, é preciso refletir sobre o contexto que a torna necessária como confidente emocional. O crescimento desse uso não fala apenas da evolução da tecnologia, mas daquilo que falta nas relações humanas: escuta, apoio, compreensão e tempo.
Vale destacar que esse estudo não é uma análise estatística ampla, mas uma investigação qualitativa dos 100 casos de uso mais comentados por usuários engajados em fóruns como o Reddit. Em outras palavras, ele retrata menos o comportamento médio da população e mais os desejos explícitos de uma comunidade hiperconectada e tecnologicamente fluente.
Ainda assim, o que o estudo realmente oferece é uma virada de perspectiva: ele desloca a pergunta “o que a IA está fazendo por nós?” para algo mais profundo — “o que estamos buscando na IA que não estamos conseguindo encontrar em outros contextos?”
Nesse cenário, cresce a expectativa por marcas capazes de demonstrar empatia, oferecer apoio contextual e gerar conexão emocional em escala. Não se trata apenas de entregar conteúdo personalizado com base no histórico de compras, mas de compreender o momento de vida de quem está do outro lado da tela
Como sintetizou Frederico Trajano, CEO do Magalu:
“Queremos ser uma empresa digital com pontos físicos de calor humano.” (Fonte: Exame, 2023)
Essa visão resume bem o movimento necessário: utilizar IA, dados e automação para escalar o relacionamento com o consumidor, mas sem abrir mão da sensibilidade, da escuta e do vínculo afetivo.
O Nubank, por exemplo, é uma empresa nativa digital que conquistou notoriedade justamente por oferecer um atendimento percebido como humano, mesmo sem agências físicas. Seu time de relacionamento não segue scripts rígidos, mas atua com empatia, autonomia e linguagem acessível.
Segundo reportagem da Exame, essa abordagem transformou o atendimento da empresa em um ativo de marca, provando que é possível ser 100% digital sem perder calor humano.
Passo a passo: o que empresas de varejo devem fazer agora
- Revisar o posicionamento da marca: sua marca resolve apenas um problema funcional ou ajuda as pessoas a lidar com questões mais profundas, como autoestima, solidão ou pertencimento?
A Dove, tradicionalmente associada a sabonetes e hidratantes, poderia ter mantido sua comunicação focada apenas em benefícios funcionais — como maciez e hidratação da pele. Entretanto, a marca escolheu atuar em um nível mais profundo, ao assumir o compromisso de fortalecer a autoestima de mulheres e meninas. Com campanhas como “Pela Real Beleza”, Dove passou a abordar insegurança corporal, pressão estética e autopercepção. Ao fazer isso, deixou de ser apenas um produto de higiene e se tornou uma aliada emocional de suas consumidoras. - Mapear momentos emocionais da jornada do cliente: Identifique os estados afetivos comuns em cada etapa do relacionamento: dúvida, frustração, entusiasmo, arrependimento, insegurança. Use isso para orientar tom e timing da comunicação.
A Amaro, empresa brasileira de moda digital, mapeia delicadamente os momentos emocionais da compra ao integrar seus guide‑shops — lojas físicas sem estoque, que permitem experimentar roupas com apoio de consultores de estilo e realizar a compra online para entrega em casa.
Nos guide‑shops, a cliente recebe orientação personalizada em um ambiente acolhedor, aliviando a ansiedade comum no momento da escolha de roupas. A abordagem reduz incertezas emocionais e promove uma experiência que combina conveniência digital e sensação de pertencimento físico.
- Projetar jornadas com calor humano: em vez de apenas automatizar, pense em como sua IA, seu chatbot ou sua plataforma podem gerar conforto, não fricção. Linguagem natural, escuta ativa e respostas empáticas fazem diferença.
A Liv Up, marca brasileira de alimentação saudável, é referência em jornada digital acolhedora. Com análise das interações via Zendesk, a empresa identificou a necessidade de humanizar o atendimento e personalizar respostas conforme o contexto. A integração entre e-mail, chat e redes sociais permitiu atender o cliente com agilidade, relevância e um tom emocional. Isso resultou em 88,5% de avaliações positivas no NPS e em uma diminuição de 43% no tempo de primeira resposta. - Treinar equipes para escuta e autonomia
Como no caso do Nubank, a humanização depende de times capacitados para ouvir de verdade, agir com empatia e fugir de scripts frios ou robotizados.
Muitas vezes, o obstáculo à humanização não está na tecnologia, mas na cultura da empresa. Organizações que valorizam apenas agilidade, padronização e eficiência tendem a penalizar atendentes que exercem empatia. Humanizar requer mais do que treinamento — exige repensar as métricas que moldam o comportamento interno. - Medir a qualidade da conexão, não só a conversão
Vá além de cliques e taxas de abertura. Mensure sinais de confiança, sensação de acolhimento, clareza percebida e vínculos afetivos criados.
[Inferência] Algumas empresas testam extensões como “NPS emocional”, que buscam avaliar se o consumidor se sentiu melhor após a experiência — não apenas se ele recomendaria a marca..
Uma forma prática de fazer isso é cruzar perguntas abertas sobre sentimento. Por exemplo: como você se sentiu durante sua última interação com a nossa marca? - Usar IA com responsabilidade emocional
Evite o uso invasivo de dados sensíveis. Crie experiências personalizadas com ética, transparência e foco no bem-estar do consumidor. A personalização deve ser tão ética quanto inteligente.
A inteligência artificial generativa está ajudando consumidores a organizarem suas vidas, regularem emoções e buscarem sentido. O crescimento do uso da IA como apoio emocional não revela apenas um avanço tecnológico, mas uma carência de vínculos, escuta e acolhimento no cotidiano das pessoas.
Ser uma marca afetivamente relevante não é uma tendência de marketing, mas uma resposta a uma realidade emocional complexa. As empresas que entenderem isso terão mais do que consumidores. Terão confiança, lealdade e espaço legítimo na vida das pessoas.
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