“Cuidado ao sair do trem com o celular na mão no Japão!”
Essa frase, ouvida no alto-falante de um trem japonês, poderia soar familiar para qualquer brasileiro. Mas o motivo da advertência revela muito mais do que aparenta. Não se trata de um alerta contra furtos ou assaltos, como imediatamente poderíamos imaginar. A preocupação, no Japão, é outra: evitar esbarrões, manter o fluxo das pessoas, garantir a harmonia do espaço coletivo.
Na hora, a comparação com o Brasil foi inevitável. Por aqui, andar com o celular na mão não é um descuido — é quase um convite ao perigo. Falar ao telefone na rua parece um ato de ousadia, como se estivéssemos desafiando a sorte ou “pedindo para ser roubados”. A recomendação que escutamos entre amigos e familiares é outra: “guarda o celular”, “não dá bobeira”, “cuidado no ponto de ônibus”.
E a gente se adapta.
A gente aprende a esconder, a desconfiar, a evitar certos caminhos e certos horários. Passamos a viver entre muros, câmeras, cercas elétricas, grades nas janelas, portões automáticos, aplicativos de rastreamento e olhos sempre alertas. Mas será que isso é normal?
Não, não é.
Transformamos o absurdo em rotina. Aceitamos que o espaço público não nos pertence plenamente. Que liberdade de ir e vir inclui, implicitamente, o medo. Que caminhar pela cidade exige estratégias de autoproteção que vão muito além da prudência — são quase manuais de sobrevivência.
Enquanto isso, o crime vence. Ano após ano, estatísticas se acumulam, políticas falham, respostas se mostram insuficientes. E o preço dessa falência não é apenas material. O custo é viver com medo. É não poder ouvir música enquanto anda. É não atender uma ligação sem antes olhar em volta. É atravessar a rua ao ver alguém suspeito. É viver com os olhos desconfiados, com o bolso pressionado sobre o celular, com o corpo tenso, pronto para correr.
Essa não é a liberdade que merecemos. Esse não deveria ser o contrato social de uma sociedade democrática.
Quando um país normaliza o medo, ele adoece. Quando aceitamos o absurdo como inevitável, desistimos de exigir o básico: segurança, dignidade, liberdade de circulação.
O aviso no trem japonês é, no fundo, um lembrete silencioso do que perdemos. Ali, o cuidado é coletivo, é por respeito ao outro, não por medo do outro. Aqui, o medo se infiltrou em cada gesto cotidiano.
Não podemos aceitar isso como definitivo. Precisamos questionar, denunciar, repensar. Porque viver acuado, desconfiado, restringido — isso nunca será normal.
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